CARTA A MEU PAI
Franz Kafka,
Nova Época Editorial, 1976.
Tradução: Osvaldo da
Purificação
José Castello, em uma entrevista, relatou que certa ocasião um amigo se encontrava em um sebo/alfarrabista no Rio de Janeiro e encontrou o livro “Carta a meu pai”, seria comum encontrar um livro de Kafka em qualquer livraria, não fosse um único detalhe, aquele livro fora ofertado por José Castello ao seu próprio pai, cujo frontispício, figurava indelével, a respectiva dedicatória. A vida imita as coincidências, messe farta, da feliz coincidência. O amigo adquiriu o livro e o entrega ao remetente. Mas isso já é outra história. O acaso.
Na época das cartas, cartas
longas, verdadeiro rol de emoções, na carga da caligrafia, na tinta e seus
borrões. Quando não chegavam aos seus destinatários, eram, e ainda o são,
barradas pelos ‘spams’ com seus respectivos motivos: Mudou-se, Endereço insuficiente, Não existe
o número indicado, Desconhecido, Ausente, Falecido, Recusado, Ao remetente e Não
procurado.
Quando voltavam ao remetente,
imaginava-se o percurso de ida e de volta e os motivos da devolutiva, um
"xis" tosco, sem identidade, assinalava a decepção do retorno. Bem,
isso era tarefa do serviço postal.
Ainda hoje, há o serviço de
"posta-restante" endereçada a uma determinada agência postal, onde
permanece até ser reclamada pelo destinatário. O termo, por si só, tem
contornos extremamente enigmáticos, "Posta-restante"!
Dito assim, posta-restante! O
termo parece não ter significação real, mas ganha dimensão de um tratado de semiologia:
Quem posta o restante? Deveria o destinatário retira-la e pagar o “restante”?
A carta de Kafka começa com
uma indagação do pai: “Porque
você sustenta que tem medo de mim?”.
Kafka não procurou o serviço
postal para a entrega da "Carta a meu pai", fez de sua mãe a
portadora da entrega. Esta, entende ser mais uma futilidade do filho ou temerosa
do conteúdo, decide abri-la, não tem dúvidas, não deverá chegar ao seu destinatário
e exerce seu mátrio poder. Não só abriu a carta, abriu ainda mais o abismo
entre Pai e Filho.
Devolve-a, sem a devida anotação
do motivo. Diante da devolução, Kafka aproveita para revisá-la novamente, seu destinatário
nunca soube sequer de uma vírgula ali contida.
Ai senhores, quando a vida se parece
com uma espécie de ficção merece virar uma peça literária, e, ninguém menos que
os próprios - “vitimador e vitimado” - para lhes carregar ainda mais as tintas.
Urge esclarecer, Kafka não só revisa,
como ao final do texto aplica a pá de cal ao “Pai”. Simula uma possível
resposta do pai a sua carta, com toda carga de um Pai. O conteúdo é um rosário
de “culpas”, poderia escrever ‘culpa’. Simplesmente culpa!
Mas quem escreve é Kafka, protagonista,
sem plateia, monólogo escrito e interpretado pelo próprio. A revisão acrescenta-lhe
outras culpas. Leitmotiv revisitado. Culpa
é matéria densa, não há brecha para trégua, o corte é na jugular.
Nas palavras de Kafka: “desconfiança
do pai, autodesconfiança do filho”. Esse é o resultado de ambos. Daí o livro
segue o seu caminho, da livraria do Rio de Janeiro, lido e relido, volta às mãos
do José Castello, - via posta-restante, objeto perdido e encontrado - para a devida correção da dedicatória.
José Castello nos dá outro filho, o livro: Ribamar - Editora Bertrand Brasil, mas isso já é outra resenha.
José Castello nos dá outro filho, o livro: Ribamar - Editora Bertrand Brasil, mas isso já é outra resenha.
Pais e filhos, uni-vos a messe
é farta!
Vale a leitura.
E pegando carona no texto sobre o Livro do Desassossego, do Pessoa, confirmamos essa intertextualidade feita por diversos escritores: O Amadeu se espelhando em Kafka; Machado de Assis, nos seus textos, remetendo a diversas leituras efetuadas por ele.
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